O que levar, o que deixar? A sina do imigrante.

Fábio De Almeida

Ninguém como Lya Luft…

“Não sou a areia onde se desenha um par de asas ou grades diante de uma janela.

Não sou apenas a pedra que rola nas marés do mundo, em cada praia renascendo outra.

Sou a orelha encostada na concha da vida, sou construção e desmoronamento, servo e senhor, e sou mistério.

A quatro mãos escrevemos o roteiro para o palco de meu tempo: o meu destino e eu.

Nem sempre estamos afinados, nem sempre nos levamos a sério.”

Perdas e ganhos.

O que levar do Brasil?

Calma, não responda de bate-pronto nem improvise. Pense

Tá, você vai falar saudade dos amigos, da família, o blá blá blá de sempre, mas isso todo mundo dirá, convenhamos. Então, pense.

Alguém me disse que levaria (e levou) um abridor de garrafas, mas não um qualquer. Ele era mágico. Abria memórias. 

Soube de uma que levou um travesseiro. Claro que não era o ortopédico, esse ficou, embarcou com um xexelento que carregava desde o tempo em que usava fraldas plásticas — pra você ter uma ideia da sua idade. Aquela espuma, além de ácaros, tinha histórias para contar.

Eu, por exemplo, trouxe o pincel de barbear mais ordinário do mundo, comprado em camelô. Mas o danado é idêntico ao que meu pai usava. Cada cerda me traz uma lembrança.

Então, ainda pensando?

E o que deixar?

Opa, parou, nem fale o que pensou. Isso também todo imigrante-raiz vai repetir sem pensar.

Um corvo me contou que alguém deixou o marido. Desconfiava que enjoaria ainda no avião. Ele ficou.

Teve outro que se desfez de sua coleção de gravatas italianas by China. Lera no Pai Google de Oxossi que seria promovido a faxineiro. Não cairia bem no novo uniforme, convenhamos.

No meu caso, deixei as calçadas do centro do Rio de Janeiro. Ah, e barata também. Esse monstro tem pacto, né possível. Zero saudades.

Então, ainda pensando?

Se você não imigrou, mas pretende, aqui vai uma dica 0800. 

Traga tudo o que se arrependerá de ter deixado na sua mãe — ou, pior, na sua sogra. Deixe tudo o que vai se arrepender se não deixar com elas.

Ah, e tenha uma certeza. Muito do que ficou enrolado numa toalha velha ou que trouxe cuidadosamente em plástico bolha, não terá valido as reclamações dos depositários (in)fiéis nem o peso extra pago em dólares.

Quer uma prova?

Entrando e saindo com minha vassoura mega-top-blaster profissional dos trocentos escritórios vazios de um organismo público, às 9 da noite de uma terça invernal, fui olfativamente surpreso por um cheiro, cheiro não, odor, odor não, perfume, perfume da Dama da Noite.

Calma que não é nada do que esta mente libidinosa está imaginando.

— Como assim, doido!? Dama da Noite, aqui? Tô surtando, só pode! Pensei.

E lá fui atrás da fragrância enebriante.

A porta estava fechada. Três suaves batidas. Regra de ouro entre os da faxina. Silêncio. Um, dois, três, quatro, cinco segundos. Nada. Mais três — não tão suaves assim — batidas. Silêncio. Girei vagarosamente a maçaneta…pé esquerdo na frente…entrei.

No canto, vistosa e bem cuidada para um espaço tão exíguo: Ela. Caminhei na sua direção já deixando as lágrimas, as primeiras de muitas, descerem.

Tinha meus 12, 13 anos, ainda com o uniforme do IEPIC, minha escola pública. Depois de horas de futebol com meus amigos, a gente sentava nas escadas do prédio. O verão era sublime pelo cantar das cigarras, mas sobretudo pela bela e cheirosa Dama da Noite.

Foi naquela volta no tempo, debruçado sobre uma vassoura estrangeira, do outro lado do mundo, que me dei conta que deixara memórias para trás.

Acostume-se.

Então, ainda pensando?

Fábio é um Ex-Várias coisas: advogado, servidor público, faxineiro-guitarrista de Feiticeira, auxiliar de ajudante de cozinha etc.

Atualmente é Coach em Fazer Sonhar.

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