Entre o ir e o ficar, entre o partir e o retornar. A síndrome do regresso

Pamella Claro

Os ‘ires’ e os ‘vires’ jamais são em águas pacíficas. Se na superfície tudo é calmaria, logo abaixo se escondem fortes e intermitentes correntes. 

Neste texto, Pamella Claro, mesmo com receio, mergulha nos seus regressos e nos conta suas turbulências, mas sobretudo como não se deixar submergir por elas – sai mais preparada do que entrou para um próximo regresso.

Boa leitura!

Recomeçar a vida em outro país, seja temporária ou permanentemente, exige ter não só a coragem de sair da segurança e do conforto do seu círculo familiar, profissional e de amizades, como também a resiliência, a paciência e a flexibilidade para se adaptar ao desconhecido, tendo que construir praticamente do zero toda uma rede de apoio e de contatos. 

Porém, depois de um certo período e já adaptados ao novo lugar, chega a hora de voltar para casa. 

(Re)despedir-se. 

Mas agora algo parece fora do lugar, como se você estivesse num túnel do tempo, tendo que se reencontrar num quotidiano que ficou no passado, no seu país de origem.

Claro, existe toda a euforia de rever a família, os amigos, de sentir como se nunca tivesse saído do seu ‘ninho’, as cores, os lugares, as árvores, os cheiros da infância. Embora pareça cor de rosa, definitivamente este não é um processo fácil, simples ou rápido.

O alento do ‘lar, doce lar’ logo cede seu encanto a um vazio que de tão denso parece tangível, numa mistura de tristeza e de revolta que sorrateiramente vão, dia após dia, nos acinzentando e a nossa vida. 

Esse estado de “depressão pós-volta para casa” tem nome próprio: 

Síndrome do Regresso ou Jet leg Espiritual.

Foi o neuropsiquiatra brasileiro Dr. Décio Nakagawa, nascido no interior de São Paulo e filho de japoneses, que cunhou a expressão “Síndrome do Regresso”. 

Morador do bairro da Liberdade, por 15 anos atendeu muitos brasileiros decasségui * que regressavam ao Brasil após uma temporada de trabalho em fábricas japonesas.

Observando o seu comportamento, o Dr. Nakagawa identificou características que se repetiam. De acordo com os seus estudos, a adaptação de uma pessoa a uma nova cultura pode levar, em média, seis meses, porém, precisará de dois anos para se readaptar ao seu próprio país. 

Apesar do Dr. Nakagawa não ter publicado nenhum artigo científico sobre essa síndrome, seus pacientes tornaram seu trabalho reconhecido fora da comunidade japonesa.

Por que a Síndrome do Regresso acontece?

Quando uma pessoa deixa o seu país de origem para viver no exterior, inevitavelmente passará por grandes mudanças que variam em tempo e intensidade e de uma pessoa para outra.

Distante geograficamente de suas raízes afetivas ancestrais, ela se vê diante de um cotidiano no qual precisa aprender a se virar sozinha e autonomamente.

Assim, pouco a pouco, vai absorvendo e apreendendo comportamentos e valores atrelados à cultura do país de acolho. Enquanto imigrante, cria uma base na qual enraizará a sua nova vida – e nela se sentir pertencendo.

No entanto, essa transformação não é tão ‘suave’ quanto parece, sendo percebida apenas no contraste quando o imigrante desembarca no seu país de origem. Ele quer se sentir em casa, mas simplesmente não consegue.

Este ‘voltar’ exige uma reacomodação, um reajuste entre dois universos de valores nem sempre conciliáveis.

O regresso é muito mais complexo e doloroso do que a chegada num novo país, pois neste tudo é inédito, tudo é descoberta, tudo é história ainda por contar; naquele, tudo já foi contado – e está amarelado pelo tempo.

Quais os sintomas da Síndrome do Regresso ?

Conforme descritos por Nakagawa, os sintomas mais comuns são os seguintes:

  • Sentir-se deslocado, como se não pertencesse mais àquele lugar;
  • Tédio pela falta de novidades;
  • Saudade de fazer novos amigos;
  • Sensação de estranhamento, de não saber exatamente quem é após tanto tempo morando no exterior.

É como dizem: “quando você sai do país, você nunca mais volta o mesmo!” E é muito importante estar preparado para esse retorno, pois existe a ilusão de que não é preciso se adaptar ao lugar de onde se veio, mas esta é uma percepção equivocada, uma armadilha que te pega desprevenido, ainda no aeroporto e nos abraços apertados de saudades.

Como amenizar os sentimentos da Síndrome do Regresso ?

Assim como quando se muda para um país desconhecido, é preciso paciência consigo. Tenha em mente que você está experienciando uma nova realidade e que retornar não significa andar para trás, na direção do seu passado.

Procure ‘enxergar’ tudo aquilo que você não pôde ver enquanto esteve fora; lembre-se das saudades que sentiu e procure ‘matá-las’ agora.

Claro, não existe uma poção mágica para uma readaptação instantânea e bem-sucedida, mas algumas atitudes podem facilitá-la:

  • Voltar não quer dizer ter o mesmo estilo de vida que tinha antes de mudar para o exterior. Permita-se explorar.
  • Nada como cultivar as amizades. Refaça laços e contatos com os amigos que ficaram no seu país.
  • Já pensou em recomeçar noutra cidade?
  • Que tal buscar um trabalho totalmente diferente daquele que fazia antes de partir?
  • Conheça novos lugares, viaje, redescubra o seu próprio país.

E, mais importante que tudo, não queira buscar culpados nem se culpe por aquilo que você não pôde controlar. Parafraseando Lya Luft, a vida é feita de ‘perdas e ganhos’. Concentre-se, então, nos ganhos.

Tudo isso pode te ajudar nesse processo de readaptação.

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Fontes usadas para o texto:

Sindrome do Regresso – jet lag espiritual

Sindrome do regresso

Nakagawa, D. I. (2002). Migração e saúde mental. In: Carignato, T.T., Rosa, M.D & Pacheco F., R. A. (orgs). Psicanálise, Cultura e Migração (p.221-225). São Paulo: YM Editora Gráfica.

Tese de Mestrado em Psicologia, Universidade de São Paulo – Migrantes em Trânsito entre Brasil e Japão: Uma intervenção psicossocial no retorno – Laura Satoe Ueno, 2008.

* A palavra japonesa dekasegi (出 稼 ぎ) é traduzida aproximadamente como “trabalhar fora de casa”. 

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